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Malefício do café

Efeito Maléfico do café sobre o aparelho digestivo

 Dr. Campos de Rezende

 Há Uma página famosa de Rui Barbosa, na qual a «Águia de Haia» afirma que, de todos os vícios que assoberbam e aniquilam a criatura humana, o mais terrível é o jogo, «que entra no bolso». Poderíamos parodiar o genial baiano, todavia, afirmando que, muito mais terrível e aniquilante para o homem, é aquele que entrando pela boca, vai destruir-lhe todas as reservas orgânicas, causando uma verdadeira devastação interior — o café.

O café, em sua acção arruinante, tem contribuído com uma parcela considerável da sua influência negativa, para povoamento de hospitais das mais variadas especialidades, casas de saúde e manicómios pois atinge uma multiplicidade infinita de funções orgânicas, desde a articulação dos membros inferiores à criação mental, aos fenómenos da inteligência, aos meandros insondáveis do cérebro.

A cafeína, tem efeitos profundos e insidiosos, embora lentos, agindo em, «silêncio», para somente se manifestar quando já é quase impossível conjurar-lhe os efeitos.

Narcótico sedativo

Se fossemos catalogar, pacientemente, o número de investigadores, em todos os países, cujas conclusões têm sido desfavoráveis ao café, teríamos uma enorme bibliografia, constituindo uma verdadeira biblioteca.

Rolf Ulrich conseguiu catalogar, somente na Alemanha, cinquenta e nove autores, desde Hermann Tjaden («Koffein als Genusstoff») até Hans Hanke que, em sua maravilhosa obra: «Zur Pathogenese der akuten erosiven Gastritis», trata do assunto com uma acuidade incomum, adicionando novos ensinamentos no que toca à influência do café sobre o aparelho digestivo.

Teremos ainda, no devido ensejo de demonstrar que a cafeína contida em cada xícara de café é suficiente para, na ingestão continuada e quotidiana, envenenar o organismo. Provaremos, em futura ocasião, que o café é responsável directo nos quadros patológicos abaixo enumerados: enfermidades cardíacas, alta pressão sanguínea, eczemas cutâneos inflamatórios, complicações em alguns casos de tuberculose pulmonar (com a provocação de hemoptise pelo aumento da pressão sanguínea), hiperfunção da tiróide, glaucoma, onde a cafeína produz aumento da tensão interior do olho e, conforme passaremos a estudar, na úlcera gástrica ou duodenal, e nos estados, patológicos das mucosas gástrica e intestinal, quando o café estimula a secreção ácida no estômago e aumenta o peristaltismo intestinal, isto é, os movimentos vermiformes, progressivos dos músculos de fibra lisa.

Estômago e intestinos

Boris Sokoloff, na sua universal obra a respeito das «Doenças da Civilização» dedica um capítulo inteiro ao estômago e intestinos, afirmando que o aparelho digestivo representa uma espécie de pedra-de-toque, central de controlo, de todas as energias humanas. No estômago – diz o grande mestre da Sorbonne, reside o segredo de todas as nossas venturas e desditas. E parafraseia: «mostra-me o teu estômago, mostra-me os teus intestinos, e dir-te-ei como reagirás diante dos acontecimentos».

Isso significa que:

i) aparelho digestivo sadio: personalidade equilibrada; nervos controlados, acções sensatas;

ii) aparelho digestivo doente: existência agitada; acções intempestivas, personalidade convexa.

Possivelmente, é esta a região do corpo em que o café incide mais objectivamente, tanto que, desde que o café passou a incluir-se nos cardápios de todos os países ocidentais, cientistas se têm ocupado das diferenças fisiológicas sobre o tubo gastrointestinal que se observam depois da ingestão do café natural.

Meier e Gottlieb, incluídos  entre os que, mais cuidadosamente observaram o assunto, deram como efeitos tóxicos do café os transtornos de hipersecreção, os vómitos e as diarreias. Recolhendo pequenas quantidades de suco gástrico, em espaços de dez em dez minutos, constataram o curso da formação do mesmo, incluindo o grau e o volume da produção de ácido, para concluírem, deste modo, das consequências da acção directa da cafeína sobre as células da mucosa, ou indirectamente por via nervosa.

Em certos hospitais de centros adiantados como no Japão (clínica do Prof.- Takanishi, em Osaka), Berlim (clínica do Pro£ W. Kretschmer) e no Instituto de Medicina Clínica, em Roma, a primeira medida, antes de estabelecer-se o diagnóstico de qualquer enfermidade abdominal, é proibir a ingestão de café, partindo das observações universalmente consagradas de Kalk e Katsch de que «não se pode mais duvidar de que, nos casos patológicos, a cafeína exerce sobre o estômago um efeito secretor e estimulante da acidez» de tal modo pernicioso que é preciso conjurá-lo, preliminarmente, antes da adopção de qualquer medida terapêutica.

Wilken e o estômago

Partindo da tradicional lenda de que, na longínqua Arábia, o pastor Kaldi descobriu num grupo de cabras montesas, as mais trêfegas, pela ingestão de folhas de café, um estudioso investigador austríaco, Herman Wilken, efectuou a mesma experiência, submetendo quatro cabras ao mesmo primitivo processo de alimentação. Ao final de algum tempo, de facto, as que mais ingeriram o grão rubro eram as que se mostravam excitadas, como se energias estranhas as impulsionassem interiormente. Foram essas as mais «vivas», as que sucumbiram mais depressa e a autópsia demonstrou que o seu estômago estava rendilhado, como se houvesse sido minado por uma cultura de vorazes parasitas.

Era a explicação, daquela «excitação insólita, provinda das camadas do estômago que, apresentando aparência de vida, estava na realidade abrindo o inevitável caminho para a morte.

Esse mesmo princípio se observa nas pessoas que, a cada passo, em cada esquina, buscam no café um estimulante para as energias. Supondo estar degustando a bebida vivificante, estão, na verdade, abrindo em cada gota da negra infusão um palmo a mais no solo do sepulcro, quando não abrem, inapelavelmente, as portas dos hospitais e das clínicas psiquiátricas.

Aliás, a mesma experiência de Wilken tem sido efectuada em Zurique e em Berlim, onde Hanke (trabalho citado) injectou cafeína em alta dose em pessoas e gatos. Aquelas se viram, inesperadamente, tomadas de sintomas de intoxicação, apresentando vómitos aquosos e produzindo-se manifestações intestinais caracterizadas por emissão de mucosidade copiosa e esverdeada. Quanto aos animais, muitos deles morreram logo após o início da experiência e no estômago observava-se ao microscópio erosões estranhas em quase todos, «pequenos focos de tamanho da ponta de uma cabeça dl alfinete».

 Café — flagelo social a combater

Há pois, no café, um inimigo social permanente, visível aos nossos olhos e que é preciso impiedosamente combater.

Apesar dos grandes avanços conseguidos pela Ciência de hoje, apesar de tudo quanto têm os homens de laboratório conquistado no terreno da Medicina, há uma série de males cuja misteriosa origem não se conseguiu ainda localizar. Alguns deles estão completamente superados. Outros, como o cancro, já deixaram antever a vitória da inteligência sobre a moléstia e com os passos já ensejados, prevê-se para breves dias o seu desaparecimento entre as estatísticas mortuárias.

Entretanto, enquanto a Ciência, seus apóstolos e seguidores, procuram traçar rumos mais seguros e mais felizes à humanidade, os próprios integrantes da massa humana desfazem esse trabalho beneditino, essa faina de titãs, abrindo eles novas incógnitas aos estudiosos, aos médicos e aos clínicos em geral.

E encontram nessa pesquisa diabólica meios de anular a busca da inteligência, intoxicando-se com mil e um produtos inoperantes e, principalmente, ingerindo desmedidamente café, a cafeína envolta em açúcar, como se a doçura fosse o disfarce do veneno — o café, esse causador de tantas mortes de causas antes desconhecidas; vemos, então, os que sucumbem aos colapsos, às síncopes cardíacas, a tantas outras inesperadas moléstias que, em verdade, se encontram escondidas nas minúsculas xícaras de esquinas, como se a morte fosse vendida a retalho, em balcões de botequim.

Enquanto não se policia o café, enquanto não for vendido sob prescrição médica, como o ópio, a cocaína e a morfina, deve caber a cada um de nós uma atitude de reprimenda, profilaxia e combate. Evitar o café. o «rei da morte», é rasgar, desassombradamente, horizontes mais calmos e mais risonhos para as perspectivas maravilhosas da vida!